Introdução
Você já se perguntou se é possível vender um imóvel para o seu filho? Essa é uma dúvida comum, e a resposta envolve algumas regras do Código Civil brasileiro. Embora pareça complicado à primeira vista, entender essas normas é essencial para evitar problemas no futuro. Afinal, uma transação desse tipo pode afetar a família e os direitos de herança. Neste artigo, vamos explicar, de forma simples, como funciona a venda de bens entre pais e filhos, os cuidados necessários e como a lei protege os demais herdeiros.
O que diz a lei?
Sim, é possível vender um imóvel para um filho, mas a lei exige cuidados. O artigo 496 do Código Civil determina que os outros herdeiros devem dar seu consentimento para que essa venda seja válida. A razão para isso é evitar que a venda seja, na verdade, uma “doação disfarçada” que prejudique os demais herdeiros, ao transferir um bem por um valor muito abaixo do real. Confira o que diz o artigo:
“Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.”
Essa regra busca garantir a igualdade entre os herdeiros, assegurando que todos recebam sua parte justa da herança.
Venda ou doação: qual a diferença?
Outra dúvida comum é: o que é melhor, vender ou doar? Cada uma dessas opções tem implicações diferentes. No caso da venda, os demais herdeiros devem aprovar a transação, conforme explicado acima. Já na doação, esse consentimento não é necessário. Isso acontece porque a doação é vista como um “adiantamento” da herança. Ou seja, quando o doador falece, o bem doado será “descontado” da parte que o filho teria direito na herança:
Art. 544 do Código Civil. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.
A venda, por outro lado, não entra nesse cálculo, ou seja, não é considerada como antecipação da herança, o que pode gerar uma desigualdade entre os herdeiros, caso não seja feita de maneira correta. Em palavras mais simples, o bem “comprado” pelo filho não entrará na soma dos bens deixados pelo genitor quando do falecimento. Não entra na herança.
Fraude ou simulação: como a lei protege os herdeiros
Em alguns casos, uma venda entre pais e filhos pode esconder uma doação disfarçada, especialmente se o imóvel for vendido por um valor muito abaixo do mercado. Para evitar fraudes, a lei exige a aprovação dos demais herdeiros. Se isso não acontecer, a venda pode ser anulada.
O prazo para os herdeiros contestarem a venda é de dois anos, conforme o artigo 179 do Código Civil:
“Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.”
Para ilustrar melhor o tema, vamos ver um exemplo prático de como isso pode ocorrer.
Exemplo prático
Paulo, pai de quatro filhos—Carlos, João, Pedro e André—decide vender sua fazenda para Carlos, o filho mais próximo. Sabendo que seus outros filhos não aprovariam a venda, ele simula a transação usando Maria, namorada de Carlos, como intermediária. Dessa forma, Paulo evita a necessidade de consentimento dos outros herdeiros e transfere o imóvel para Maria, que depois o passa para Carlos.
Mais tarde, João descobre a situação e, junto com os irmãos, entra com uma ação judicial para anular a venda. Mesmo que o imóvel tenha sido vendido para Maria, a transação foi, na verdade, uma venda indireta para Carlos. Por isso, da mesma forma, os herdeiros podem pedir a anulação.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou sobre esse tipo de fraude:
“A venda de bem entre ascendente e descendente, por meio de interposta pessoa, é ato jurídico anulável, aplicando-se o prazo decadencial de 2 (dois) anos previsto no art. 179 do CC/2002.”
(STJ. 3ª Turma. REsp 1.679.501-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/03/2020.)
Como pode perceber, nesses casos, a justiça brasileira trata com rigor e pode reverter a transação para proteger os direitos dos outros herdeiros.
Como evitar conflitos na venda de imóveis para filhos?
Para que a venda de um imóvel entre pais e filhos ocorra sem problemas, é importante seguir a lei e envolver todos os herdeiros no processo. Um diálogo transparente na família é fundamental, mas também é indispensável buscar orientação jurídica. Assim, todos entendem seus direitos, e a transação acontece de forma justa e tranquila.
Dicas práticas para regularizar a venda
Regularizar a venda de imóveis entre pais e filhos é um processo simples se feito corretamente. Veja os passos principais:
1. Avalie o imóvel de forma justa, para que o preço não levante suspeitas de simulação.
2. Formalize a venda com um contrato adequado.
3. Obtenha a anuência dos demais herdeiros.
4. Registre a transação no cartório, para que ela tenha validade legal.
Conclusão
A venda de bens entre pais e filhos é permitida, mas precisa ser realizada com cuidado para evitar conflitos e problemas jurídicos. O artigo 496 do Código Civil protege os herdeiros e garante uma divisão justa da herança. Portanto, é essencial seguir as regras, contar com o consentimento dos herdeiros e formalizar tudo corretamente.
Para garantir que tudo ocorra sem contratempos, busque sempre a orientação de um advogado especializado.
Em outro artigo falamos sobre os direitos e deveres relacionados ao Divórcio e a Separação. Para saber mais, clique aqui.
PERGUNTAS FREQUENTES
1. É necessário o consentimento de todos os herdeiros para a venda de bens entre pais e filhos?
Sim, conforme o artigo 496 do Código Civil, o consentimento dos herdeiros é obrigatório para evitar fraudes.
2. Qual é a diferença entre vender e doar um bem para os filhos?
A doação é considerada um adiantamento da herança, enquanto a venda, se for aprovada pelos herdeiros, pertence por inteiro ao filho/comprador, sem a necessidade de apresentação em inventário.
4. O que é uma venda por interposta pessoa?
É quando o bem é vendido a terceiros em nome de um filho, o que caracteriza uma fraude.
5. Quanto tempo os herdeiros têm para contestar uma venda suspeita?
O prazo é de dois anos, conforme decisão do STJ (REsp 1.679.501-GO).